TEMPOS MODERNOS – Beth Milanez

TEMPOS MODERNOS – Beth Milanez

Compre; pague; venda; venha; aceite; conduza; entenda; case; ame; busque; sonhe; realize; corra; salte; entre; suba; vá; abra; ande; feche; levante; pare! Os homens estão loucos. Com tantos imperativos, a ordem é esmagadora: vença. Não fique para trás. Esteja plugado com o mundo e antenado com as ideias vigentes.

Modele-se; mexa-se; movimente seu corpo; sua conta; suas emoções. Experimente, diz a cerveja! Provai e vede, diz o profeta. A sociedade consumista, representada numa latinha descartável de coca, não cola; ou melhor, não descola. Todos estão na mesma, não se compreendem. A afetividade entre homens e mulheres está mais rara. Os relacionamentos, cada vez mais efêmeros… em uma maioria considerável não dura mais do que três anos. As pessoas têm pressa e vão nessa. Fecham-se em guetos emocionais procurando alguém que as impeçam de ouvir o barulho que faz a sua própria solidão.

Então é preciso acelerar. Corra muito até ter a impressão de que os outdoors com sua função conativa e ideológica, lá do lado de fora, não te alcançam… Eles traduzem códigos da sociedade e te dizem: pilote sua vida; faça seu caminho. É preciso saber viver. A todo instante milhares de ideologias perniciosas nos ensinam uma postura bem peculiar, que encerra cada um na sua catacumba emocional: não esteja nem aí. Não se posicione (e aí você já assume uma posição). Deixe a vida lhe levar. Faça de tudo uma eterna festa e levante poeira, mate os outros de inveja.

Use seu semelhante. Escolha seus pares baseado em critérios diversos e o faça nem que seja para se auto afirmar. Desfilar com aquela mulher, ou aquele homem, mostra aos amigos o poder que você tem. Cuide do seu carro – ele reflete seu refinamento. Você não precisa de amigos. Conquiste aliados. Apareça e pareça. Isto é bem antigo. Os gregos já postulavam a respeito da importância do ethos. Construa uma imagem e viva (ou morra) por ela. Assim, ninguém verá a criança insegura e aleijada escondida dentro de você…

Talvez seja por isso que os consultórios dos terapeutas estejam abarrotados. Todos cheios e tão paradoxalmente vazios. É preciso saber parar. E somente cada um de nós sabe como e onde enfiar a chave que desliga a força da engrenagem. Conhece-te a ti mesmo, diz o filósofo. E conhecereis a verdade e ela vos libertará, disse o maior deles. Meu pensamento se coaduna com o pensamento de ambos. Entendo que se faz necessário buscar a verdade. Precisamos encarar de frente nossos fracassos, mesmo que os guardemos conosco, no mais profundo do nosso ser.

Ninguém precisa saber o tamanho dos nossos medos. Mas, de igual modo, também é certo que ninguém deve massacrar o próximo que está mergulhado em seus próprios fracassos, para que este venha a ficar do tamanho que queremos. Pequenos, como muitos de nós nos sentimos… É necessário entender o nosso valor e aceitarmos o valor do outro. Aquilo que você quer que as pessoas lhe façam, faça você primeiro a elas. Ame. Trate bem. Critique sem ferir. Busque a harmonia. Não espere pelo outro. Faça você primeiro. E se cada um agir desse modo, certamente as agruras serão atenuadas.

Pode ter quem chame de utopia e isto é o começo da inércia. Então continuaremos, como num filme desesperador, à espera de um milagre, quando Deus já nos disse o que fazer: amar ao próximo como a nós mesmos. Trocando em miúdos, não dê ao outro o que não gosta de receber. Mas, é lógico que essa lógica cristã contraria a lógica do mundo. Então, o lojista rouba; o legista mente; o taxista, usura… O Uber vai lhe deixar na mão.

É, caros leitores, em dias atuais, nem no seu cabeleireiro você pode confiar; ele deixa ponta no seu cabelo e diz que é última moda em Paris ou em lugares que você nunca foi e por isso não tem como comprovar. E você ainda se sente diminuído e fica quieto para não ficar evidente que não é um sujeito moderno, viajado. Para nossa sociedade moderna, o lucro é a prioridade. E assim, caminhamos para as salas de psicólogos, psiquiatras, e, finalmente, às salas de necrotérios. “Tolo! Esta noite pedirão a tua alma. O que tens preparado e para quem será…”.

Beth Milanez

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